" Venda de café em Lisboa.
Foi apenas no início do século XVIII
que chegaram ao nosso país as influências francesas no que diz respeito a novas formas e locais de sociabilidade, embora entre nós o convívio em locais públicos sempre tenha passado pela interação entre diferentes classes sociais. Em botequins, tabernas ou tabolagens bebia-se muito álcool, discutia-se, lutava--se, tocava-se e, sobretudo, jogava-se. Nesses antros, a paixão pelo jogo – qualquer tipo de jogo – juntava desde marginais a nobres, apesar de a lei ser bem clara no Regimento dos Taberneiros de 1797: «Nenhum taberneiro consentirá nas suas tabernas qualidade alguma de jogo às pessoas que a elas forem comer; e muito menos aos criados de servir e escravos.»19 Consta ainda deste regimento a proibição de «ajuntamentos de mulheres dos quais possam resultar as desordens que são próprias de quem frequenta similares casas». Da redação deste regimento infere-se que o ambiente das tabernas e tavolagens, ou tabolagens, deixava bastante a desejar, sendo frequentes as rixas que começavam dentro e extravasavam para a rua. Os cafés, enquanto espaços públicos das novas formas de sociabilização, chegaram a Portugal mais tarde do que à maioria dos países europeus, sobretudo no que diz respeito ao ambiente de trocas intelectuais que os caracterizavam em França ou em Inglaterra. Tinop desconsidera os primeiros estabelecimentos, afirmando que «entre nós, os cafés têm sido apenas umas vezes a cópia grotesca, caricatural, outras vezes a fotografia pessimamente retocada dos lá de Portugal From taverns to cafés Por altura do aparecimento dos primeiros cafés em Portugal, estava ultrapassada a moda do orientalismo no resto da Europa, e o negócio concentrava-se na mão dos italianos. As limonadas e a «neve» eram as maiores atrações dos cafés e, ao contrário de França ou de Inglaterra, bebia-se bastante chá até aos finais do século xviii. Até sob o ponto de vista literário, poucas são as referências ao café-bebida. Uma das épocas áureas da vida dos nossos cafés foram os anos das guerras liberais, os que as precederam e se lhe seguiram, e ainda os anos de viragem do século xix para o século xx, com o fim da Monarquia e a implantação da República. Segue-se uma história abreviada dos principais estabelecimentos dos séculos xviii e xix. Tabolagem «É tomado do castelhano tablaje, que é casa de jogo. Na ordenação chamam-se tabolagens às casas de jogos proibidos. Dar tabolagem é dar em sua casa naipes, dados e outras coisas concernentes ao jogo. [...] El-rei D. João II mandou queimar a casa de tabolagem, qual pagode, aonde em semelhanças de idolatria se viram obedecidos e festejados por oráculos da sorte, por efígies da Fortuna...» Padre Rafael Bluteau, fora»20, em parte devido à apertada censura da Real Mesa Censória e ao zelo da Intendência-geral da Polícia. Quando os cafés finalmente chegaram gerou-se alguma confusão com o conceito de botequim. Este, segundo o Dicionário de História de Portugal, é uma loja onde se servem vários tipos de bebidas21. A sua raiz será a mesma da bodega espanhola e terá dado origem ao boteco brasileiro, locais onde se consomem bebidas alcoólicas e comidas. Assim foram também os cafés entre nós: além de chá e café, sempre neles se serviu álcool «fino», deixando para as tabernas o tradicional vinho barato a copo. Os primeiros botequins de Lisboa terão sido as casas Rosa e Madama Spencer, ambas na antiga Rua Nova (Rua dos Capelistas) e anteriores ao Terramoto. A maior concentração destes estabelecimentos situava-se no Largo do Regedor e em São Roque."
Fátima Moura
Obra: Conversas de Café
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